Revista VEZ de Nova Mutum Mato Grosso


Nova Mutum vive “boom” da agricultura digital
Entenda os desafios e oportunidades do setor produtivo e startups em meio à revolução tecnológica do agronegócio.
quinta, 21 de novembro de 2019

Muito tem se falado em agricultura digital nesta década de 2010. Expressões como startups, universo AgTech, agro softwares, business inteligence e hubs de tecnologia estão na ponta da língua dos consultores e estudiosos do mundo agro, e cada vez mais na dos agricultores também. Eventos sobre o assunto são frequentes, e em Nova Mutum não é diferente. As duas últimas semanas acadêmicas do curso de Agronomia da Unemat Campus Nova Mutum trataram de inovação e novas tecnologias. Neste semestre, o auditório do Sindicato Rural de Nova Mutum recebeu dois eventos afins: no dia 29 de agosto o Conexão AgriHub 2019, sobre como a tecnologia pode ajudar no manejo de pragas, doenças e daninhas – iniciativa do Sistema Famato, Senar e Imea –, e no dia 04 de setembro foi a vez de uma palestra internacional com a autora best seller Martha Gabriel, sobre a transformação digital do agronegócio – realizada pelo Sebrae. Mas será que o produtor rural está absorvendo e sabendo aproveitar as novas tecnologias no campo? Quais são as reais necessidades do setor produtivo? Em meio a tantas experiências e novidades, quais realmente estão se consolidando e dando retorno ao produtor? E quais as tendências que o mercado sinaliza?

Para responder estas questões, a reportagem da VEZ esteve em dois eventos realizados recentemente em Nova Mutum, e conversou com especialistas, produtores, estudantes, professores e agentes do mercado. A intenção aqui é situar Nova Mutum no contexto da mundialmente chamada 4ª Revolução Industrial, que está diretamente ligada à agricultura digital.

DEMANDAS DO AGRO

No maior estado agro do Brasil, que é Mato Grosso, as necessidades tecnológicas do setor produtivo têm sido mapeadas por empresas e startups, que buscam desenvolver e ofertar soluções a elas, bem como pelo meio acadêmico e pela rede de representação política do setor. Do sistema Famato – que tem mais de 30 mil produtores rurais associados –, juntamente com Senar e Imea, nasceu uma rede AgTech – termo cunhado nos EUA para se referir às empresas de tecnologia aplicada ao agronegócio – chamada AgriHub. Com sede em Cuiabá, essa rede tem os objetivos de aumentar a renda dos produtores rurais, usando o mínimo de recursos, contribuir para o desenvolvimento sustentável por meio da inovação tecnológica e contribuir para o aumento da oferta de alimentos ao mundo até 2050. Para isso, busca entender os problemas dos produtores rurais e realizar conexões com quem pode resolvê-los, sejam investidores, mentores, startups, universidades e outros interessados no universo das AgTech.

Segundo o zootecnista e analista de mercado Fabio Silva, integrante da equipe do AgriHub, “as principais demandas da agricultura, comuns ao estado inteiro, estão relacionadas à saúde das lavouras (manejo de pragas, doenças e daninhas), classificação de grãos e previsão do tempo”. O livro Onde estão as grandes oportunidades do agro? (2018), de autoria da equipe do AgriHub, apresenta um estudo onde produtores rurais de diferentes regiões do estado relatam 111 problemas encontrados na produção agropecuária. Os principais envolvem temas como “doenças e pragas, previsão do tempo, mão de obra, informações para tomada de decisão, gestão da propriedade, classificação de grãos e carcaças bovinas, entre outros. Além da diversidade de problemas, constatou-se que eles variam consideravelmente de um município a outro”, informa o livro.

Presente no evento Conexão AgriHub 2019, o engenheiro agrônomo e consultor em produção Otávio Tissiani, de Nova Mutum, diz que a agricultura requer muita informação para a tomada de decisões. “Gestão de dados é fundamental, e aí entra bastante software. Precisa de facilidade, porque tem casos em que não adianta a gente ficar batendo cabeça com coisa mecânica, se tem um programa que pode fazer por você. O software não vem substituir ninguém, mas vem ajudar a melhorar o processo, que sempre dependerá das pessoas”.

Também participante do evento, o sojicultor e milhocultor Claudir Zornitta, de 50 anos de idade, morador de Nova Mutum, relata que visitou o Conexão AgriHub porque tem o hábito de procurar as novidades que possam acrescentar à sua atividade. “A gente já usa alguma tecnologia digital, mas eu penso que nada tira o olho do proprietário e a botina do barro. São ferramentas para melhorar o acompanhamento, mas sempre vai ter que ir na lavoura, acompanhar de perto, entender o que está acontecendo. As coisas têm que andar lado a lado”, comenta.

CASES DE SUCESSO E EXPERIÊNCIAS FRUSTRADAS

Os depoimentos sobre experiências com novas tecnologias no campo apresentam duas realidades: de um lado a dos cases de sucesso e ferramentas já consolidadas, e de outro as tentativas e experiências frustradas ou mal absorvidas. Um dos palestrantes do Conexão AgriHub 2019, o engenheiro agrônomo e consultor em agricultura digital Mauricio Nicocelli Netto, de Lucas do Rio Verde, que presta consultoria ao Senar/MT e ao AgriHub, diz que essa onda de agricultura digital foi “puxada” por tecnologias de telemetria, que consiste em fazer comunicação entre máquinas agrícolas para retirada de dados, como mapas de pulverização, mapas de colheita, mapas de plantio, meios de controlar melhor a velocidade de operação, volume de calda, volume de semente etc. “Isso está dando muito certo. E juntamente com essas ferramentas estão vindo softwares de gerenciamento como monitoramento de pragas, e por aí vai. Os drones também tem uma linha crescente. O pessoal está usando imageamento aéreo tanto com drones como aviões, pra poder melhorar o controle da variabilidade de campo. Junto a isso a agricultura de precisão, amostragem de solo, são coisas bem recorrentes”.

Tissiani confirma e acrescenta: “Por enquanto, o que tem dado certo, que o pessoal usa muito, é a parte de agricultura de precisão, sensoriamento remoto para definir adubação, calagem, enfim, isso já tem um viés de aplicabilidade maior, mais relacionado ao uso de GPS, mapeamento da variabilidade espacial, como mostraram aqui no AgriHub.”

Para o técnico agrícola e acadêmico de Agronomia da Unemat Nova Mutum, João Vitor de Souza Ferreira – entrevistado durante a última semana acadêmica do seu curso, em novembro de 2018 –, o mais interessante dentre as novas tecnologias em uso são as voltadas ao controle de pragas e monitoramento de máquinas em tempo real, que permitem acompanhar como se está plantando, por exemplo. Menciona também “os sensores em pulverizadores que lançam o herbicida somente no alvo da planta daninha, o que reduz tanto o custo para o produtor como o impacto ambiental.”

Mas se por um lado há ferramentas consolidadas, por outro é comum haver certa resistência dos produtores para com as novidades. Muitos dos agricultores ouvidos pela reportagem relatam experiências insatisfatórias com certos softwares e tecnologias, ou dificuldades de adaptação. O fator custo-benefício é bastante considerado antes de se testar algo novo. Nesse sentido, o Senar tem trabalhado para aproximar agricultores e empresas de tecnologia, com ações que visam gerar conhecimento e possibilidades de testes dessas tecnologias nas propriedades, ajudando o produtor a navegar nesse mundo digital. Conforme o superintendente do Senar Mato Grosso, Otávio Celidonio, “o grande desafio é fazer a conexão do produtor com as empresas de tecnologia, e é difícil porque o produtor ainda tem uma certa resistência, e com razão; ele não tem condições de ficar errando.”

Muitas empresas vieram das regiões Sudeste ou Sul para o Mato Grosso trazendo produtos inovadores, porém com pouco conhecimento da realidade e da cultura regional. Algumas delas ficam um tempo e acabam retornando quando se deparam com essa dificuldade e resistência do produtor, conforme conta Nicocelli Netto. “É um desafio grande, mas tem os acertos, principalmente em telemetria e monitoramento de pragas. Um case desses que deu certo foi a Solinftec, que tem uma unidade aqui em Mutum. Vieram do mercado de cana, e agora estão com uma unidade grande em Sinop. Outras plataformas como o Farmbox também são cases de sucesso entre as tecnologias que vieram de fora do Estado.”

Mas nem tudo vem de fora. Empresas regionais e também mutuenses têm se colocado de forma rápida no mercado, com produtos próprios. Fundada em Nova Mutum, a The Big Data Company (TBDC), que estava presente no Conexão AgriHub 2019 como expositora convidada, é uma das empresas de agro softwares que Nicocelli Netto acredita que irão “crescer muito, por ter um software adaptado para a região”. Conforme um dos sócios e desenvolvedor da TBDC, Paulo Castro, a plataforma da empresa tem dois produtos: um voltado para consultoria e revenda (fornecedor), que é uma espécie de CRM para gestão da carteira de clientes, e outro voltado para o produtor rural, “que é sempre o usuário final da tecnologia”. São produtos que nasceram da experiência dos sócios de “sentir as dores do mercado”, ao trabalharem por anos em uma grande empresa do agronegócio de Nova Mutum, desenvolvendo soluções para os seus problemas operacionais.

“O pessoal que veio desbravar a região a partir da década de 70 já está se aposentando, e a cabeça da nova geração já é diferente. Já tem bastante gente que gerencia a fazenda de longe, coisa que a 20 anos atrás não existia. Aí começam a surgir empresas especializadas em gestão, e é nesse contexto que a nossa plataforma vai se colocando. Mas são muitas informações pro produtor consultar, e se ele for pesquisar em um monte de serviços dispersos fica difícil. Por isso a gente buscou ser uma plataforma que centraliza os dados que ele precisa ver: a gente gera informações sobre chuva, satélite, praga etc, e ele pode comparar tudo isso. Buscamos criar esse conceito de BI, Business Inteligence, num formato especializado. Tudo num lugar só ao alcance da mão, como um celular”, explica Paulo Castro.

Mapeamento da variabilidade espacial. Foto: GD Agro Mapeamento e Imagens Aéreas

TENDÊNCIAS

Em sua palestra no Conexão AgriHub, Mauricio Nicocelli Netto encerrou listando as principais tendências da agricultura digital, que segundo ele são: sensoriamento remoto, uso de drones e vants, robótica, imagens de satélite com bandas melhores, novos modelos de conectividade (via satélite, por exemplo), integrações de softwares e sensores autônomos para mapeamento de pragas.

Os agentes do mercado e da academia apontam para uma tendência de proliferação de pequenas startups. Paulo Castro, que também é mestre em economia, acha “impossível que poucas empresas atendam todas as necessidades que surgirem num mundo tão grande como o do agro”. Ele prevê o surgimento de ferramentas específicas, como aplicativos criados exclusivamente para uma determinada cultura, em um determinado clima e local.

O fato é que já tem surgido, em Nova Mutum, diversas empresas e startups em torno do agro, com propostas bem específicas. Fundada em 2019, a startup AgriStore lançou uma plataforma que propõe ser uma forma inovadora e econômica de fazer negócios, já em operação e com vendas efetuadas. Nela se comercializa insumos, commodities e outras demandas do agronegócio a um custo mais baixo para o produtor. Já a Toro Performance nasceu em Goiás, mas mudou sua sede para Nova Mutum há três anos. Desde então a empresa já reprogramou o software de mais de 200 máquinas agrícolas na região, gerando economia de diesel e aumento de potência. Também nascida no município, já há alguns anos, a Pentágono Sistemas desenvolve softwares diversos e sob demanda, e foi a partir de uma demanda específica de uma trading instalada em Nova Mutum que acabou desenvolvendo e lançando um sistema de gestão de carregamentos e descarregamentos, o SisCargas. O software visa solucionar o problema das filas de caminhões nos armazéns de grãos.

Para a agrônoma e professora da Unemat, Francielle Morelli Ferreira, muitas ferramentas podem ser testadas gratuitamente ou a um custo acessível. “Essas startups e aplicativos que estão surgindo não são somente para os grandes produtores. Tem muita novidade acessível para os pequenos produtores também, com custo por hectare relativamente baixo pelo retorno que proporciona. Também na universidade, hoje a gente consegue trabalhar com os estudantes em cima de aplicativos gratuitos”, expõe.

Otávio Tissiani acredita que as tecnologias voltadas à “gestão de custo da lavoura” são uma grande tendência. “Aquele velho bordão: em time que está ganhando não se mexe. Os produtores estão se sentindo ainda confortáveis economicamente, operacionalmente, então eles vão com muito mais cautela antes de agregar um custo com novas ferramentas. Muitas vezes o pensamento é esse, mas tem muita facilidade para ser experimentada. O produtor só precisa ter o cuidado para não pegar muita coisa de uma vez, mas se ele for seguindo etapas e entendendo a sua demanda de cada propriedade, ele vai conseguir encontrar o que ele precisa e que realmente vai agregar na produção. Não pode se deslumbrar para as novidades, mas também não pode fechar as portas.”

STARTUP WEEKEND NOVA MUTUM

Um dos indicativos de que Nova Mutum está fortemente inserida no mundo tecnológico é a realização da primeira Startup Weekend na cidade – em parceria com o Google – nos dias 18 a 20 de outubro. Trata-se de uma maratona de 54 horas onde designers, desenvolvedores, profissionais de marketing e empreendedores se reúnem para compartilhar ideias, formar equipes e iniciar startups. Conforme os organizadores locais, que são pessoas físicas da área da tecnologia e educação, produtos voltados ao setor agropecuário representam boa parte das ideias lançadas nas SWs de outras cidades mato-grossenses, e não deverá ser diferente em Nova Mutum. Meetups (encontros) para discussão de tecnologia estão sendo realizados mensalmente, desde abril, pelos organizadores da SW Nova Mutum, sendo que um deles foi exclusivamente voltado ao setor agro, com presença de profissionais e empresas locais.


Por Tiago Franz/Revista VEZ
Fotos: Tiago Franz/Divulgação
Desenvolvido por Pentágono Sistemas